Eu sabia, antes mesmo de chegar em casa, que estava ferrado. Havia levado Magnus ao parque e juro que, num único momento de distração, meu pequeno garotinho caiu do balanço e machucou o queixo. Minha reação imediata, claro, foi pegá-lo nos braços e sair correndo para um lugar mais escondido, pra que pudesse aparatar. Como eu mantinha meus kits médicos em casa não precisamos ir ao hospital, porém eu teria que lidar com minha esposa. Eu tinha certeza de que Jenn iria ter um surto quando visse nosso filho. Uma vez em casa, saí em disparada para o meu quarto e deixei momentaneamente meu filho deitado na cama, só pra que eu pegasse as ataduras e uma poção limpa feridas. Enquanto cuidava dele, percebi que o mesmo havia quebrado um dos dentes, o que me fez ficar mais desesperado ainda. Agora, nem que eu quisesse, eu poderia esconder o ocorrido de Jenn. Por falar nela, minha esposa acabara de chegar em casa com Margot, bem na hora que eu finalizei o curativo no queixo de Magnus. - Pronto, meu filho! - Suspirei mais aliviado, percebendo que ele havia inclusive parado de chorar. Por outro lado, Jenn entrou abruptamente no nosso quarto e teve poucos segundos para assimilar a cena à sua frente. Engoli em seco, escondendo o dente de Magnus no bolso da minha calça, e voltei a olhar para minha esposa. - Me deixa explicar.. - Foi a única coisa que pedi à ela, mesmo sabendo que ela provavelmente queria me matar agora. Merlim me ajude...

Passei pela porta com Margot e subimos as escadas depois que a tranquei, estávamos voltando do pediatra com ela, ela teve um probleminha de respiração e mesmo que Sam fosse medibruxo, nada substitui um hospital, não pra mim. Ouvi as vozes de Sam e Magnus quando enquanto eu passava pelo corredor, Margot saiu em direção a seu quarto indo guardar o ursinho de pelúcia que havia comprado pra ela quando saímos do hospital enquanto eu seguia ate meu quarto onde aparentemente estava meu marido e meu filho. Eu trazia o carrinho que havia comprado para ele quando abri a porta e vi os dois sentados, Magnus com o rosto molhado e seu queixo se curando; era evidente que ele havia se machucado e pelos dizeres de Sam ele estava o curando. Ele ja levantou se defendendo, mas eu apenas larguei o carrinho no chão chocada, so me lembro de ter sentido uma raiva instantânea quando Sam começou a se aproximar de mim - O que você fez?! - tentei controlar meu tom de voz, mas mesmo não exaltando o tom era visível que estava com raiva. Sai passando por ele e indo direto a Magnus que secava os olhos, no momento em que ele sorriu para mim vi seus dentes, um estava quebrado - Samuel como você pode deixar isso acontecer?! - resmunguei abraçando Magnus e o segurando em meu colo - Filho, ta doendo? Fala pra mamãe, o que aconteceu? - a bochecha fervendo e os olhos fixados em meu filho, as minhas maos se controlavam para não machuca-lo ao mesmo momento em que Samuel falava um monte de coisas para tentar controlar a situação - E você não se tocou que não se deixa uma criança de cinco anos sozinha em um balanço nem por um segundo, Samuel?! - reclamo me virando para ele. Eu estava brava, era um ferimento que ele ja havia curado, sei disso, mas a desatenção dele poderia ter custado muito mais; e se tivessem levado meu filho? e se ele quebrasse o pescoço? ou a perna? se ele desaparecesse e nunca mais soubéssemos dele. Com certeza o mataria com minhas próprias mãos, mas no momento minha raiva estava no que poderia ter acontecido de pior e concentrava meus nervos para não causar um escanda-lo de que me arrependeria depois. Soltei Magnus e o deixei ir no momento em que respirei para falar mais calmamente - Querido, pega seu carrinho, mamãe comprou, vai brincar com sua irmã, vai. - respondi e ele saiu, em seguida fechei a porta e virei para meu marido - Não importa, você não devia ter tirado os olhos dele! E se tivesse o levado? Você não iria ver e eu ficaria sem meu filho, Samuel! - reclamei nervosa. Nunca tivemos problemas assim e o fato dele ter se distraído me deixa nervosa. Tinha tantos problemas acontecendo pelo mundo, eu sou super protetora demais e depois da morte das minhas irmãs meu pavor de que algo tirasse meus filhos de mim so me deixou mais paranoica com a supervisão deles. 

Eu sabia que ia ser difícil conversar, mas imaginei ao menos que ela quisesse me ouvir. Por isso fiquei meio atrapalhado com o fato de ela ter passado reto por mim, pegando nosso filho no colo e perguntando a ele o que havia acontecido. Respirei fundo e apenas fiquei aguardando minha esposa, mas devido ao nervosismo acabei falando. - Eu me distraí um pouco e ele caiu do balanço. E não, não está mais doendo porque eu mesmo já cuidei disso. - Respondi, mesmo que ela não tivesse perguntado aquilo pra mim. Foi a partir dessa minha intromissão que ela começou a ficar muito nervosa, e consequentemente falou um monte de coisas que, basicamente, queriam dizer que eu era irresponsável. - Jennifer eu sei que fiz errado! Mas você bem sabe que não dá pra ficar vinte e quatro horas monitorando as crianças! - Disparei de maneira ríspida, simplesmente por achar que ela estava sendo injusta. Caramba, em algum momento eu disse que eu era inocente? Só queria que ela entendesse que as coisas acontecem, e que infelizmente nossos filhos estão sujeitos a acidentes! Mesmo querendo, nós nunca iríamos evitar tudo, especialmente que coisas acontecessem.

Fiquei mais tranquilo quando Magnus saiu da suíte, porque com certeza ele não iria querer ver a discussão que seus pais estavam tendo. Assim que ele foi embora, Jenn começou a aumentar a situação, trazendo preocupações que não eram necessárias. - Pare de dramatizar as coisas! Pra levarem nosso filho eu teria que me distrair muito! - Fiz questão de frisar o " nosso ", já que ela estava pensando apenas nas consequências que ela sentiria. - Jenn, as coisas acontecem.. Nós somos pais deles, e não um escudo ou armadura que os protegerá de tudo! - Falei no intuito de acalmá-la, por perceber que ela estava se exaltando demais. - Sim, eu reconheço que errei. E peço desculpas por isso. Mas você precisa entender que é impossível protegê-los de certas coisas... Nosso dever, como pais, é ensiná-los a lidar com as adversidades da vida! - Disse, encerrando com um suspiro. Claro que eu não estava feliz pelo que tinha acontecido, porém o que eu podia fazer pra mudar algo que já ocorreu? Procurar culpados agora não vai adiantar de nada! Feito isso, resolvi ficar quieto e deixar ela falar, mesmo que fosse para contestar o que eu acabara de dizer. Só torcia para que minhas palavras tivessem devolvido à minha esposa a sua sensatez.

Ate então meu tom de voz não avia subido tanto, mas quando ele me chamou de dramática - Não é dramatizar, é a verdade! Se um dia algo pior acontecer com algum dos dois eu não respondo por mim. - bravejei dando as costas para ele andando de um lado a outro tentando controlar meus nervos, odiava brigar com ele, mas so o medo que tive quando o vi machucado, foi como reviver todas as perdas que tive, de repente aqueles medos que eu tinha sobre eles se ferirem pareceram tão reais que eu não me controlei. Mas com o passar do tempo, a medida que ele falava eu, mesmo estando furiosa, ja não atribuía essa raiva à ele. Eu sentia raiva de mim mesma por que ele tem razão, no fim das contas não poderíamos protege-los de tudo, era inevitável que eles fossem se machucar em algum momento. Eu abri a boca, e automaticamente tomei ar e meus ombros se ergueram, estava preparada para me virar para ele para continuar a despejar minhas reclamações, mas revirei os olhos, bufei e coloquei a mao sobre a testa pouco acima dos olhos, tentando me acalmar e aos poucos minha respiração me trouxe a calma que eu precisava - Nunca mais tire os olhos deles, me prometa. - viro para ele o encarando entristecida - Odeio ficar nervosa com você, mas você sabe muito bem que não aguento a ideia de que algo os machuque, Sam. - digo deixando os ombros caírem. Aquela foi a primeira vez que brigamos tão serio assim e eu não havia gostado da experiencia, ele e meu primeiro namorado e ate então nunca havíamos chegado a este ponto.

Não estava gostando nada do rumo que aquilo estava tomando. Sabia, desde o dia em que decidi casar com ela, que teríamos uma briga aqui e outra ali, mas estava longe de imaginar algo daquela proporção. Não me lembro de tê-la visto tão zangada comigo como agora, e apesar de não admitir, isso me assustava. Fiquei com o coração partido ao vê-la dar as costas pra mim, e pensar que eu causei todas as reações agressivas dela não me animava em nada. - Não piore as coisas... Você sabe que eu não vou deixar isso acontecer! - A repreendi. Era meio irônico eu dizer que ia protegê-los quando acabei de falar que nem sempre isso seria possível, porém apesar disso eu faria de tudo pra manter meus filhos bem. Sentei na beirada da cama e levei minhas mãos à cabeça, me perguntando quando iríamos parar com a discussão. Detestava ter que discordar dela em alguma coisa, mas hoje foi além de tudo o que já havíamos vivenciado. Cada palavra que ela pronunciava naquele tom raivoso doía muito em mim. - Não posso te prometer isso... Nunca é uma palavra muito forte. Mas te prometo que o que eu puder fazer por nossos filhos, eu farei. - Afirmei com um semblante sério, enquanto olhava bem para os seus olhos. Estava tão nervoso que acabei sorrindo levemente com o que ela disse, sobre se preocupar com as crianças, e tive que me recompor. - Eu sei disso. Nenhum pai em sã consciência aguenta, mas precisamos estar preparados. - Comentei meio pesaroso. Sabia que não era o melhor jeito de resolver as coisas, porém acabei puxando-a para mais perto e dei-lhe um beijo. Por não saber como ela iria reagir, preferi ir com calma, e logo o encerrei. Em seguida fiquei encarando-a, em silêncio.

O que ele disse não me acalmava muito, mas eu preferi deixar de lado, era tempestade demais em um copo de água, mesmo sendo horrível Magnus ja estava bem e salvo, não foi nada demais e uma queda não merecia uma briga feia como essa, não faria isso com nós dois, não é a nossa cara agir dessa forma. Depois que ele me puxou eu ja havia baixado a guarda, era inevitável ele sempre conseguia o melhor de mim e eu cedia sem cerimonia. Mesmo ainda chateada com o acidente eu o amava a ponto de passar uma borracha naquilo e me deixar levar, apenas retribui o beijo que ele tomou de mim e fiquei acariciando sua nuca. Ele segurava em minha cintura quando me sentei em seu colo na nossa cama o encarando menos brava e com o olhar mais leve - Desculpa, eu não sei o que deu em mim, eu to muito nervosa, de repente um pensamento levou a outro e... - um nó na garganta surgiu no momento em que eu formulava a frase, parecia forçado e eu não quis continuar, apenas lhe dei um selinho carinhoso e voltei a encara-lo com doçura. Coloquei meu rosto em seu pescoço e o abracei, fiquei em silencio por uns longos segundos, mesmo assim me mantive abraçada a ele embora meu rosto estivesse pouco mais erguido do que antes. O suficiente para eu encarar seu rosto enquanto continuava a acariciar sua nuca, meus dedos em seus cabelos curtos - Me desculpa. - murmuro e encerro o abraço com outro selinho breve - Nossa primeira briga... não gostei nenhum pouco. - resmungo deitando minha cabeça em seu ombro, mas subitamente a ergo quando me recordo dos nossos tempos de escola - Lembra quando a Anne Marrie morreu? Eu passei dias sem falar com você, foram um dos os piores dias da minha vida. - recordo tristonha e melancólica, era sempre difícil me lembrar da Anne e não ficar chateada, mas eram muito pior a sensação de desconforto que senti minutos atras.

Com o tempo as coisas foram melhorando e nós dois ficamos mais calmos, e logo o clima tenso de antes transformou-se, dando origem a um ambiente mais tranquilo. Puxei-a para o meu colo e a abracei pela cintura, enquanto ouvia o pedido de desculpas dela, que por um momento havia deixado a frase em aberto. Apertei o abraço quando ela encostou a cabeça em meu ombro, e aproveitei o momento de silêncio para fazer um breve carinho nos cabelos dela. Senti as mãos dela acarinharem minha nuca e sorri com a sensação que aquilo me causava, pouco antes de ela concluir o que falava antes. - Tudo bem amor. E eu também peço desculpas por ter causado tudo isso. - Completei meio sem graça, e em seguida abri um sorriso frouxo quando ela comentou sobre a briga. - De casados, você quer dizer. A primeira de verdade foi quando te encontrei no hospital, depois de eu ter abandonado Hogwarts... Nossa, você ficou muito zangada! - Falei um tanto nostálgico, já que as lembranças daquele período invadiram minha mente. Foi muito doloroso ter que deixar tudo pra trás e viver escondido, sem poder sair na rua sob a minha verdadeira identidade. - Claro que lembro. Você estava muito triste... E eu não sabia o que fazer. - Admiti, dando um beijo na testa dela. - Mas não se preocupe. Onde quer que ela esteja, sei que está bem. - Disse olhando nos olhos dela. Era um pouco difícil tentar ajudá-la, principalmente porque eu não conhecia a dor dela, então eu só podia imaginar como ela estava se sentindo.

Eu tinha acabado de chegar em casa após mais um dia longo e cansativo no Hospital St. Mungus, apesar de muito proveitoso, como de costume. Era fim de tarde e, como Jenn ainda estava no Profeta Diário e as crianças estavam terminando o ano letivo em Hogwarts, o ambiente estava mergulhado no silêncio. Assim sendo, quando entrei na nossa residência eu logo parti para a suíte que eu dividia com a minha esposa e, após tirar as roupas do hospital e colocá-las num cesto separado, já que era um espaço onde a proliferação de doenças e bactérias era muito intensa, imediatamente fui para o chuveiro. Lá, tomei um banho um tanto demorado, mas que me livrou de toda a sujeira que o ambiente hospitalar costumeiramente ocasionava. Tão logo, depois de me secar, vesti uma roupa confortável — bermuda e moletom — e retornei para o quarto, e quase instantaneamente caí sobre o colchão macio da cama. O horário não era dos melhores para tirar um cochilo, é verdade, mas a minha profissão não me ajudava muito quando o assunto era regular o meu sono. Afinal, os plantões eram frequentes e dificilmente eram em escala convencional, como em outros empregos, já que no hospital nós lidávamos, diariamente, com situações de emergência que simplesmente não podiam esperar. E então, em decorrência de todo esse cansaço físico e mental, acabei caindo no sono antes mesmo de me ajeitar numa posição mais confortável.


Acordei sobressaltado após mais um pesadelo envolvendo a morte de Bernhard, que tanto me assombrava nos últimos tempos, e respirei fundo até me conscientizar de que tudo não havia passado de uma peça pregada pela minha cabeça. Mesmo assim, levou um tempo até que eu arrumasse outra coisa que me fizesse esquecer aquela saudade e o aperto no peito que aquele assunto sempre me causava; e, devo dizer, o novo assunto também não foi muito bom. — Não acredito nisso. — Reclamei assim que, ao levantar da cama, senti um incômodo no meu pescoço que eu conhecia muito bem: torcicolo. A região estava bastante tensionada e eu sabia que aquilo tinha a ver com o fato de eu ter dormido de mal jeito, por isso, e aproveitando-me das minhas habilidades em medibruxaria, não demorei a pegar minha varinha mágica e procurar dar um fim àquilo. — Musculum Remendo! Relidor! — Proferi os feitiços apontando o objeto de madeira para mim mesmo, logo sentindo uma melhora evidente no local. Tal constatação me arrancou um sorriso, pensando nas vantagens de poder resolver pequenos probleminhas, como aquele, de forma rápida e eficaz. Com isso, e vendo pela janela que já estava escuro lá fora, decidi descer até a cozinha e comer alguma coisa, assim como observar se Jenn já havia chegado.